Vai em frente, Serjão!
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de maio de 1986
Alto, meio desengonçado, Sérgio Bianchi, lá pela metade dos anos 60, era conhecido como "Serjão Três Emendas". Apaixonado por cinema e teatro, integrava os ativos movimentos artísticos locais e já se caracterizava pelo misto de criatividade e agressividade - que o faz, até hoje, ser um profissional sem papas na língua. Capaz de momentos da maior ternura mas também de explosões de violência, como há alguns anos, quando, tenso e nervoso por não conseguir o financiamento pretendido da Secretaria da Cultura, teve uma cena digna do filme "Depois Que Tudo Acabou": com um porrete na mão, invadiu o gabinete do então secretário Luís Roberto Soares e quebrou móveis e pôs funcionários a correr.
Radicado há mais de 10 anos em São Paulo, foi buscar em contos fantásticos de Julio Cortazar as idéias para seus dois primeiros curtas-metragens: "No Ônibus" e "A Segunda Besta". Mas das estórias do escritor uruguaio ficaram pouca coisa: em seu imaginário, Serjão não se limitaria à palavra (já) escrita e partiria para suas próprias concepções. Assim fez em "Maldita Coincidência", produção das mais tumultuadas, tendo como cenário único um velho casarão num bairro aristocrático de São Paulo e que os proprietários desejavam demolir. Numa legítima ocupação do imóvel, equipe técnica e elenco (entre os quais alguns nomes conhecidos, identificados pela amizade com Sérgio) ali viviam momentos de "O Anjo Exterminador", revezando-se em plantões pois caso contrário perderiam os cenários. As filmagens foram interrompidas várias vezes pela polícia, acusações das mais diversas - de bacanais ao uso de tóxico - misturavam-se ao clima de ficção e a produção arrastou-se por meses. Escolhido para inaugurar o cine Groff, há 3 anos, o filme de Serjão ganhou reconhecimento crítico em veículos nacionais e tem defensores fanáticos - ao mesmo tempo que choca o público convencional.
Depois de "Maldita Coincidência", dois médias-metragens, ambos de vísceras sociais: "Mato Eles!", premiado em festivais de Brasília e Gramado e "Divina Providência", também já com premiações - nos quais, em imagens dilacerantes, com um humor que vai do bunuelesco ao escatológico, Serjão denuncia a questão do problema dos índios no Paraná e a insensibilidade do Inamps, respectivamente.
Agora, enquanto lutava na cruzada burocrática para liberação dos recursos para seu "Romance" - finalmente em fase de filmagem - Sérgio Bianchi fez um outro documentário, oficialmente mostrando o projeto do tombamento da Serra do Mar e o litoral sul. Entretanto, ao sentir que tudo não passa de "mais uma grande enganação", Bianchi fez um filme amargo, rebelde - a partir do próprio título ("Entojo") que, diz ele, permanecerá inédito - já que os patrocinadores - no caso a Secretaria da Cultura e Esportes do Paraná (sic) não terá interesse em mostrar o lado real de mais uma demagogia política dos peemedebistas no poder - no Paraná e em São Paulo.
De Sérgio Bianchi, pode-se esperar tudo! Menos uma coisa: o acomodamento. Sensível até a raiz dos cabelos, capaz de chorar com facilidade - ao mesmo tempo que não teme esbravejar com os poderosos do dia - não tem o jogo de cintura que faz com que muitos de seus colegas do cinema obtenham, com facilidade, recursos e benesses oficiais para discutíveis projetos. Ao contrário, com sinceridade, dizendo os palavrões que achar conveniente - vai direto ao âmago das coisas, não faz piruetas e volteios - e isto se traduz em seus filmes. Amados ou desprezados. Elogiados como obras geniais ou atacados cruelmente.
"Romance" - ou "O Lado Bom da Bomba", com ele e sua assistente, a modelo Bronie - chamam a produção ora em realização - é, por enquanto, um projeto em criação. Mas, sinceramente, se Sérgio conseguir finalizá-lo como deseja, tenho certeza de que num dos próximos festivais de cinema - Brasília, FestRio, Araxá ou, principalmente, Gramado - poderá dar a este cineasta paranaense mais algumas premiações. Energia e voltagem criativa, para sacudir as imagens cinematográficas, não lhe faltam.
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